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VÍTIMAS DA VALE EM BRUMADINHO CONTRA ACORDO

 

 As Comissões de Atingidos aqui representadas por suas devidas comissões e ou associações, vem respeitosamente apresentar seus posicionamentos e análises pertinentes à “Minuta de Acordo Estado de Minas Gerais e Empresa Ré Vale S.A.”, na forma que segue:

 1. Sem prejuízo das ponderações efetuadas pelas partes nas Ações Civis Públicas (processos n° 5026408-67.2019.8.13.0024, nº 50444954- 73.2019.8.13.0024 e nº 5087481-40.2019.8.13.0024), como também na Tutela Antecipada Antecedente (nº 5010709-36.2019.8.13.0024), que tramitam na 2° Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte (Excelentíssimo Juiz Dr. Elton Pupo Nogueira), seja pelos autores ou pela Vale S/A (“Contra Proposta da empresa Vale S.A.”), apresentamos nossa análise crítica, a fim de que sejam tomadas em consideração pelas partes e pelo Judiciário.

2. De início, os cumprimentos e agradecimentos a todos, em especial ao Ministério Público Federal, que tenham expressado firme posicionamento contrário aos crimes praticados pela empresa-ré – VALE S/A, como também pela exclusão da participação dos Atingidos Organizados da bacia do Paraopeba, que necessariamente deve ser INFORMADA E DELIBERATIVA.

3. Iniciamos exatamente por este item, PARTICIPAÇÃO POPULAR INFORMADA E DELIBERATIVA, que pressupõe a necessária audiência e participação dos que suportam concretamente os danos dos crimes praticados pela VALE S/A, sendo necessário observar que o documento “Minuta de Acordo” revela ter sido ele concebido sem qualquer participação popular.

4. A não participação é ainda mais grave porque, como sempre foi anunciado, haveria participação popular desde o início das ações que tangem ao Rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, que poderiam atuar por intermédio das várias Comissões de Atingidos(as) já organizadas e reconhecidas (inclusive pelas partes naqueles processos), sendo chamadas para a escolha de assessorias técnicas para atuação nas ações do MP Estadual.

5. Os termos da proposta de acordo, que foi discutida com representantes do Governo Estadual, não foram levados à discussão e deliberação da comunidade e, em especial, das Comissões de Atingidos (as) Organizadas, ainda que tenham sido expressamente reclamada a ampla publicidade e efetiva transparência nas tratativas.

6. Assim é que na discussão do Plano de Governança do Comitê Gestor Pró Brumadinho, ocorrida entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020, foi expressamente reclamada a participação popular, como assegurado no DECRETO Nº 176, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2019, que Institui o Comitê Gestor Pró-Brumadinho em decorrência da ruptura da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, no Município de Brumadinho.

7. Confirmando que os atingidos (as) presentes nas reuniões citadas de novembro de 2019 e fevereiro de 2020 requereram seu direito de participação e de conhecimento do cronograma das reuniões, bem como acesso prévio á citada minuta de acordo, tem-se que até 04 de fevereiro de 2020, segundo a então Fórum de Atingidos (as) pelo Crime da Vale em Brumadinho – faacvbrumadinho@gmail.com coordenadora Sra Luiza Barreto, a tal minuta não se encontrava pronta e seria disponibilizada futuramente juntamente com o cronograma de reuniões e lista dos projetos citados de forma ampla, por temática, na data da última reunião.

 8. Tem-se, assim, o direto descumprimento do dever primário que é o de assegurar o direito ao prévio conhecimento, o direito ao devido processo legal, porque daquele procedimento administrativo passou a ser obrigatória a audiência das Comissões, como referido, como também a evidente violação dos princípios da Administração Pública, art. 37, “caput”, da Constituição Federal.

9. Não há dúvida de que a participação no Comitê Gestor Pró-Brumadinho e a intervenção nas negociações constituem funções públicas da mais alta relevância, porque tangem a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneo, tanto que o artigo 7º do citado decreto prescreve: – A participação no Comitê Gestor PróBrumadinho será considerada prestação de serviço público relevante e não enseja remuneração a qualquer título.

10. O serviço público assim considerado somente pode ser exercido na forma e nos limites da Constituição, que não permite e não admite a atuação sob sigilo, sobretudo daqueles que têm direto direito e interesse jurídico na matéria. Não pode haver supremacia do interesse privado sobre o interesse público.

11. Nesse sentido, o Código de Conduta Ética do Agente Público e da Alta Administração Estadual, em seu Art. 27 determina: A autoridade pública deve possibilitar à sociedade aferir a lisura de processo decisório governamental e adotar mecanismos de consulta, visando à transparência de sua gestão.

12.No entanto, o Sr. Governador Romeu Zema, diferentemente do que impõe a Constituição Federal e o próprio decreto que ordenou, não assegurou o conhecimento e o acesso às negociações do suposto acordo.

 13.A ausência de participação no processo decisório é ilegal e se revela mais um grave dano aos atingidos e atingidas pelo Crime da Vale em Brumadinho.

14.Um novo dano é agora conhecido, porque a leitura da Minuta de acordo divulgada em 03 de novembro de 2020 via canais de whastapp, revela cláusulas que trazem maior preocupação e inquietação às comunidades atingidas, como citamos abaixo:

2.1.O objeto do Acordo é a definição das obrigações de fazer e de pagar da Vale, visando à reparação integral, Obrigação de reparar integralmente os danos é obrigação primária, como anuncia expressamente a Constituição Federal e a legislação ambiental. Não constitui obrigação assumida, mas obrigação primária imposta e é necessário que o antecedente seja o formal e expresso reconhecimento da responsabilidade civil, criminal e administrativa, que gera a obrigação de reparar integralmente todos as comunidades e todos os atingidos e atingidas.

Por isso, as obrigações já deferidas em juízo e as condições para a reparação integral deverão obedecer os parâmetros técnicos definidos, por exemplo, pela Universidade Federal de Minas Gerais, aceitos pelos autores das ações mencionadas e previamente apresentados às Comissões citadas. A reparação integral deve ser integral e efetiva.

Veja-se que, nem sequer consta referência expressa aos valores que serão tidos como indicativos da reparação integral para determinados programas:

 7.1.O valor de R$ xx será destinado a projetos de reparação integral, que se darão pela implementação dos Programas especificados nos Anexos I, II.1, III e IV deste instrumento.

Ainda, como é sabido, os termos do acordo devem ser discutidos no Juízo em que tramitam as ações, e não em 2ª. Instância, até porque há expressa referência à extinção daqueles processos. É fundamental que a concepção, audiência e deliberação ocorra no juízo competente.

5.1.Este Acordo entra em vigor na data da assinatura, obrigando as Partes, e passa a surtir integralmente seus efeitos a partir da homologação judicial junto à 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte/MG. O Acordo vigerá por 10 anos ou até o exaurimento do seu objeto, o que ocorrer por último, sendo concedidas à Vale quitações parciais, a partir do cumprimento de obrigações já estabelecidas nesse Acordo e dos marcos temporais a serem estabelecidos no detalhamento de projetos, bem como naqueles determinados no Anexo VII para atingimento de indicadores e metas.

 Chama atenção, ainda, a cláusula 4.7.1. que sugere existirem acordos cuja publicidade não foi garantida e que necessitam ser expressamente mencionados no eventual acordo:

4.7.1.A limitação de que trata o item 4.7inclui o pagamento de despesas de pessoal não vinculadas a este acordo, assim como a quitação de despesas relativas a ajustes previamente celebrados pelo Poder Público não vinculados ao objeto deste instrumento.

Tem-se, assim, a indefinição de valores que corresponderão à reparação que o acordo batiza de integral, as negociações efetuadas em Juízo diverso daquele onde tramitam as ações, a referência a possíveis outros desconhecidos acordos e tudo à revelia da representação dos atingidos e atingidas.

É grave a ausência de critérios objetivos e previamente divulgados que fixaram os valores a serem pagos. E ainda, quer o suposto acordo permitir que o Estado e suas Comissões Temáticas decidem pelo remanejamento de recursos e sempre à revelia dos atingidos e atingidas:

7.8.Fica desde já admitida a possibilidade de remanejamento dos recursos a que se refere o inciso II do item 7.2, entre os projetos previstos nos Anexos I, II.1 e IV, ouvidas as Comissões Temáticas e após aprovação do Comitê Gestor Interinstitucional, segundo juízos de eficiência, interesse público, efetividade e economicidade, desde que observada a necessidade de reparação integral dos impactos, danos e prejuízos socioeconômicos, bem como as diretrizes e indicadores constantes deste instrumento e de seus Anexos

Não há nenhuma referência ao que se passou no dia 25 de janeiro de 2019, às 12:28 hrs., e o acordo revela que não há nenhum sentimento de solidariedade e de respeito a todas e todos que perderam tudo em razão dos crimes praticados pela VALE S/A.

A ausência de respeito é manifesta quando se quer também sonegar o amplo debate, a discussão, promovendo a revitimização de forma continuada. Novos danos, mas agora em razão do acordo e dos sobressaltos se saber excluídos também do processo de reparação.

Enfim, diante de todos estes argumentos, questionamentos e premissas constitucionais já mencionados e porque os direitos da coletividade e de todo cidadão brasileiro exigem, reiteramos o pedido de paralisação das negociações e que sejam retomadas apenas depois de respeitada a centralidade dos atingidos (as), corrigidas aquelas observações, assegurados efetivamente os direitos fundamentais e sobretudo que todas as comunidades sofridas, porém organizadas e capazes de analisar tecnicamente com suas respectivas assessorias técnicas independentes, indiquem o que é melhor ou não para continuidade do direito maior que é o direito à vida e à dignidade humana.

Não há reparação integral à revelia da vítima. E não há reparação integral sem que a ré VALE S/A assuma expressamente a sua responsabilidade, em todas as formas.

 Reiteramos também que seja mantido o pagamento emergencial nas condições atuais permitindo ainda a resolução de situações de negação arbitrária da empresa Ré vale quanto a cancelamentos e ou atrasos;

Requeremos que o acordo preveja expressamente que as obrigações nele estipuladas constituem apenas piso mínimo de reparação e todas os atingidos e atingidas poderão, na forma processual, reclamar por danos materiais e morais que extrapolarem o quanto tenha sido pago em razão do acordo.

Requeremos que qualquer acordo tem que garantir em favor dos atingidos e atingidas a constituição de um título executivo judicial, de modo que todos poderão ingressar, reclamar no juízo competente por danos morais e materiais que superaram qualquer valor pago em razão desse acordo.

Reiteramos ainda quanto ao direito a água potável não cumprido e não solucionado até a data de hoje, pedindo ainda a aplicação de multa diária em caso de negativas de fornecimentos pela empresa Ré Vale S.A e ou Copasa,

Reiteramos ainda a grave situação dos agricultores que desde o dia 25 de janeiro estão sofrendo e endividando levando muitos a situação de extrema vulnerabilidade necessitando então de celeridade nos acordos individuais com acompanhamento de suas respectivas assessorias técnicas a fim de quitar dívidas e permitir a redução do sofrimento;

Reiteramos que as regiões ainda não admitidas como atingidas e sem o amparo do pagamento emergencial sejam de imediato reconhecidas e ressarcidas com os devidos pagamentos retroativos.

 Reafirmamos a necessidade de amparo às áreas diretamente atingidas pela lama quanto a saúde e informação de riscos de contaminantes.

Por fim, que sejam mantidas as buscas das 11 vítimas ainda não encontradas bem como a devida sensibilidade diante aos familiares das 272 vítimas.

Sem mais, certos do retorno dos Srs. resposta aos itens aqui mencionados, aguardamos posicionamento quanto á paralisação das negociações e efetivo cumprimento dos pontos aqui solicitados.

 Brumadinho, 19 de novembro de 2020.

 “A única luta que se perde é aquela que se abandona.” Carlos Marighella

Fórum de Atingidos (as) pelo Crime da Vale em Brumadinho – faacvbrumadinho@gmail.com

 

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